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domingo, 9 de dezembro de 2007

Liberdade contratual no Direito moderno

Itamar Gaino
JUIZ DE DIREITO DO 1º TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL-SP

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Autonomia privada -
2.1. Norma jurídica e negócio. 2.2. Distinção entre
norma jurídica e norma moral. 2.3. Contrato como
fonte normativa. 2.4. Direito e Estado.2.5. Criação
de normas jurídicas e sujeição. 2.6. Direito super partes
e direito inter partes. 2.7. Formação bilateral e formação
unilateral ou hetorônoma do direito. 2.8. Sistema
escalonado de fontes de direito. 2.9. A autonomia
privada como poder de criação de normas jurídicas
(âmbito de atuação). 2.10. Autonomia privada e liberdade.
2.11. Transgressão da norma jurídica. 2.12.
Direito e dever. 2.13. Heteronomia e autonomia.
2.14. Evolução da autonomia da vontade para a autonomia
privada. 2.15. Importância da autonomia
privada no mundo moderno. 2.16. Princípios constitucionais
da liberdade e da livre iniciativa como fundamentos
da autonomia privada - 3. Liberdade de
contratar ou exercício da autonomia privada - 4. Limitações
à liberdade de contratar. 4.1. Função social

como fator limitativo da liberdade contratual - 5. Cláusulas
gerais do novo Código Civil que interferem na
formação e na execução do contrato. 5.1. Boa-fé objetiva.
5.1.1. Funções da boa-fé objetiva.5.1.2. Responsabilidade
pré-negocial ou culpa in contrahendo -
6. Cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão)
em dívida em dinheiro - 7. Onerosidade excessiva
como causa de resolução ou de revisão do contrato - 8.
Conclusão - 9. Bibliografia - 10. Jurisprudência



1 – Introdução
usca-se salientar, neste trabalho, a evolução ocorrida no âmbito do
direito contratual nos últimos tempos, mais propriamente no decorrer
do século passado e, especialmente, na sua segunda metade. O Código
Civil de 1916 foi elaborado por Clóvis com base no Código Civil alemão. Mas
recepcionou, também, noções do direito francês. Nele foram incorporadas as
concepções jurídicas então vigentes, com destaque para o liberalismo, que
vinha dos princípios consagrados pela Revolução Francesa. A igualdade e a
liberdade inspiraram, no direito pós-revolução, a plena liberdade contratual,
com a máxima pacta sunt servanda, significativa de ser o contrato lei entre as
partes. Esse poder quase sem limites, conferido aos cidadãos para a criação de
normas jurídicas primárias por meio do contrato, gerou distorções no curso do
tempo. O mais forte passou a aproveitar-se do mais fraco que, devido às circunstâncias
próprias de suas condições socioeconômicas desfavoráveis, via-se na
contingência de celebrar contratos desvantajosos, que lhe impunham sacrifícios
muitas vezes excessivos e até indignos. Floresceu uma nova concepção, no
sentido de que o Estado haveria de interferir em certas modalidades de relação
jurídica, com o escopo de preservação da igualdade entre as partes. Daí a famosa
frase de Lacordaire: “entre o forte e o fraco é o contrato que escraviza e a lei que
liberta”. Surgiram, então, às limitações à liberdade de contratar, emanadas de
leis de ordem pública, e as cláusulas gerais humanizadoras do contrato que,
baseadas nos princípios da eticidade e da sociabilidade, buscam preservar o
equilíbrio das relações jurídicas livremente pactuadas.
A evolução da civilização fez reduzir sensivelmente o contrato essencialmente
paritário, composto por cláusulas variadas e amplamente discutidas
pelas partes. As relações econômicas foram de tal modo incrementadas no
curso do tempo, especialmente por conseqüência do capitalismo que passou a
imperar na maior parte do planeta, que o contrato passou a ter novas conotações.
A pessoa jurídica passou a ter grande importância no mundo dos negócios.
E surgiu o contrato de adesão que, contendo cláusulas estereotipadas ou
estandartizadas, é imposto a um número indeterminado de pessoas que necessitam
de certos bens ou serviços. Isso passou a ser uma necessidade diante
da economia de massa e da sociedade de consumo. O contrato deixou de ter
como objeto principal a obtenção da propriedade. Agora ele tem como objetos,
além daqueles bens tradicionais, como imóveis e móveis, os chamados
valores mobiliários, representados por títulos, e os bens imateriais, como
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direitos de autor, que, especialmente no mundo da informática, representam
valores econômicos extraordinários. Como diz Enzo Roppo, “com o progredir
do modo de produção capitalista, com o multiplicar-se e complicar-se das relações
econômicas, abre-se um processo que poderemos definir como de mobilização e
desmaterialização da riqueza, a qual tende a subtrair ao direito de propriedade
(como poder de gozar e dispor, numa perspectiva estática, das coisas materiais e
especialmente dos bens imóveis) a sua supremacia entre os instrumentos de controle
e gestão da riqueza. Num sistema capitalista desenvolvido, a riqueza de fato não se
identifica apenas com as coisas materiais e com o direito de usá-las; ela consiste
também, e sobretudo, em bens imateriais, em relações, em promessas alheias e no
correspondente direito ao comportamento de outrem, ou seja, a pretender de outrem
algo que não consiste necessariamente numa res a possuir em propriedade”.1
Existe hoje o Direito do consumidor, consubstanciado no Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990); Direito que se compõe
de princípios que se aplicam às relações contratuais entre fornecedores de
produtos e serviços e consumidores. É Direito de ordem pública, que visa à
proteção do mais fraco, o consumidor, evitando que a ele sejam impostas pelo
economicamente mais forte, como acontecia no passado, contratos desequilibrados
e compostos por cláusulas abusivas.
O desenvolvimento da informática fez incrementar ainda mais os negócios,
a uma velocidade antes inimaginável. As figuras contratuais são as mesmas
que se celebram por meio convencional. A revolução está na forma. É o “contrato
eletrônico”, cuja celebração se dá por meio de programa de computador,
dispensando assinatura, por ser autenticado por assinatura codificada ou senha,
processo este chamado de “criptologia ou encriptação”.
Tudo isso está a exigir uma nova concepção do direito contratual. Aquela
autonomia quase plena de vontade já não se harmoniza com a realidade das
relações jurídicas. Fala-se, agora, em autonomia privada, como evolução daquele
princípio da autonomia da vontade. A autonomia privada, a par significar
a atribuição, pelo Direito, às pessoas físicas e jurídicas, do poder de
criação de normas jurídicas primárias por meio do contrato, tem em si, imanentes,
as limitações próprias da modernidade, impostas especialmente pelas
leis de ordem pública.
1 ENZO ROPPO, O Contrato, tradução por Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes, Coimbra: Almedina, 1988, p. 64.
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2 – Autonomia privada
A autonomia privada é evolução da teoria da autonomia da vontade, que
tinha como corolário o princípio da força obrigatória dos contratos. Este princípio
ainda existe. O contrato que haja sido pactuado segundo o balizamento
legal é obrigatório. A parte faltosa fica sujeita às conseqüências legais, inclusive
à execução forçada.
A diferença está em que, no passado, o poder de criação de normas jurídicas
por meio do contrato era quase pleno. Apenas as eventuais leis de ordem
pública e as regras de bons costumes limitavam-no. E o que se estipulava era
lei entre as partes. No presente, como já salientado no item anterior, o poder
de criação de normas jurídicas primárias, embora tenha um âmbito muito
maior, devido à grande profusão das relações negociais próprias da sociedade
de consumo, é alvo de numerosas limitações decorrentes de leis de ordem
pública que disciplinam as relações jurídicas ou interferem, de algum modo,
em sua formação e execução. Entretanto, uma vez que sejam respeitados os
limites legais, as estipulações livremente feitas pelas partes no contrato se
impõem com força obrigatória, apenas podendo ser modificadas ou revisadas
por decisão judicial e em situações excepcionais próprias das chamadas “cláusulas
gerais humanizadoras do contrato”, de que adiante se tratará.
2.1 - Norma jurídica e negócio
A autonomia privada consiste em poder normativo, ou seja, em poder de
criar normas jurídicas por meio do negócio ou contrato.
Norma jurídica é a norma que estabelece um dever. As normas que não
têm imperatividade (as que estabelecem conceitos jurídicos, as permissivas, as
que derrogam outras e as interpretativas) não são verdadeiras normas jurídicas.
O direito consiste, pois, somente em normas imperativas, que estabelecem
deveres.
Sustentar este aspecto é adotar a concepção imperativista ou voluntarista
do direito. A norma é entendida como preceito ou como mandato e, portanto,
como vontade.
Isso não exclui que a norma possa ser considerada, ao mesmo tempo,
como juízo hipotético ou como valoração abstrata de comportamentos humanos.
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A concepção imperativista do direito se opõe ao subjetivismo jurídico.
A primeira (concepção imperativista) indica a primazia da norma, isto é,
do direito objetivo, sobre as posições jurídicas subjetivas; os direitos subjetivos
são conseqüências ou efeitos das normas jurídicas.
Pela segunda (teoria subjetiva), ao contrário, as normas são conseqüências
dos direitos subjetivos.
A teoria objetiva põe em relevo o caráter social do direito. O homem é
um ser social. O direito regula as relações intersubjetivas, não tendo sentido
para o indivíduo isolado da sociedade. Logo, é o ordenamento jurídico que
estabelece os direitos e os deveres dos indivíduos.
Existem normas que conferem aos indivíduos o poder de concluir negócios
jurídicos. Essas normas consistem no fundamento de validade do negócio.
Os negócios, no âmbito da autonomia privada, manifestam uma vontade
(normativa) submetida às normas reguladoras.
2.2 - Distinção entre norma jurídica e norma moral
Segundo Luigi Ferri, “O direito está fora de nós e nos manda. A moral está
dentro de cada um de nós; é um fato da consciência individual. O direito é um fato
objetivo, a moral é um fato subjetivo. O direito existe também se se ignora, de onde
o princípio de que ‘a ignorância da lei não escusa’, precisamente pela objetividade
da norma jurídica; enquanto o preceito moral é tal somente se é conhecido: o
conhecimento do preceito é condição para sua existência. A moral influi sobre a
conduta desde dentro: o vínculo que deriva da norma moral é uma autovinculação.
O direito atua desde fora e é um vínculo objetivo”.2
Norma jurídica é hipótese que, para operar, depende do fato que ela
descreve. O comportamento contrário implica sanção.
A norma cria um dever. Dever é uma vontade, mas não vontade do sujeito,
e sim vontade objetiva, que, para o jurista, é o direito.
Comportamento que viola a norma é comportamento ilícito.
A vontade subjetiva é matriz do direito. No momento em que ela se
materializa, cria objetividade e o contrato assim se torna fonte de direito.
2 LUIGI FERRI, A Autonomia Privada, tradução para o espanhol por Luis Sancho Mendizabal, Madrid: Ed. Revista
de Derecho Privado, 1969, pp. 125/126.
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O direito consuetudinário nasce, porém, de modo espontâneo, sem decorrer
de uma vontade subjetiva.
2.3 - Contrato como fonte normativa
O contrato é fonte de deveres, de faculdades, de direitos (e, portanto,
também de obrigações). Fonte não é a vontade dos contratantes, mas as normas
contidas nos contratos.
Ato ilícito não é fonte de direito, porque é simplesmente fato.
2.4 - Direito e Estado
O direito não é vontade do Estado, embora dele dependa para ser impositivo.
O Estado também é sujeito do direito, estando a ele subordinado.
Portanto, a vontade do direito não se confunde com a vontade do Estado.
Quando impõe a coação, o Estado não impõe a sua vontade, mas a vontade da
lei. No passado, o monarca criava o direito, mas não se sujeitava a ele. Hoje, o
Estado cria e se sujeita, por isso dizendo-se “Estado de direito”.
2. 5 - Criação de normas jurídicas e sujeição
Enquanto o direito é criado, não há mandatos jurídicos; encontra-se na
esfera subjetiva do criador. Uma vez criado, surge o mandato, que é a objetivação
da vontade. A vontade é da norma, que tem força vinculante.
A sujeição ao poder não o é perante o indivíduo dotado de mandato ou
poder, mas em relação ao direito objetivo que confere esse poder.
2.6 - Direito super partes e direito inter partes
Há o direito formado acima das partes (super partes) e o direito formado
pelas partes (inter partes). Não existe distinção em sua natureza, senão em seu
modo de criação, que, sempre, decorre de mandados jurídicos superiores.
As normas superiores não são verdadeiras normas jurídicas, pois não contêm
mandato ou imperatividade. Elas constituem fundamento de validade
de normas futuras, portanto, só indiretamente são imperativas.
2.7 - Formação bilateral e formação unilateral
2.7 - ou hetorônoma do direito.
O direito forma-se de modo bilateral por meio do negócio jurídico ou
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contrato. Forma-se de modo unilateral ou heterônomo por meio da vontade
de uma pessoa, em testamento.
2.8 - Sistema escalonado de fontes de direito.
Ainda segundo Luigi Ferri, “No sistema escalonado das fontes, que pressupõe
um transformar-se e criar-se o direito segundo leis imanentes, quer dizer, um direito
que regula, por si, sua formação, temos uma série progressiva de normas condicionantes
e condicionadas: uma norma condicionada condiciona, por sua vez,
outras normas e, uma vez que constitua aplicação de direito, cria novo direito”.3
2.9 - A autonomia privada como poder
2.9 - de criação de normas jurídicas (âmbito de atuação).
Negócio jurídico é fonte normativa. Autonomia privada é o poder de
realizar negócios jurídicos ou contratos. Portanto, é o poder de criar normas
jurídicas.
As normas assim criadas são interpretadas do mesmo modo que o são as
normas criadas pelo Estado, ou seja, tem-se em conta a “vontade objetiva” da
norma.
Poder jurídico não é poder sobre o homem ou sobre o outro, mas poder
de criar norma jurídica objetiva, à qual se sujeita o outro, sem que fique
afetado em sua personalidade.
Porém, no âmbito da autonomia privada (poder de criação de normas)
não entram todas as espécies de direito. Há direitos indisponíveis, que são os
direitos públicos e, como regra, os direitos de família.
Quanto aos direitos de família, é bem certo, em certos aspectos eles podem
ser objeto da autonomia privada, especialmente quanto à liberdade de
contratar, entendida estritamente como liberdade de opção pela prática de
um determinado ato jurídico. São possíveis, por exemplo: a opção por um
determinado regime matrimonial; a realização de pacto antenupcial até mesmo
com objetivo de exclusão dos aquestos (bens adquiridos na constância do
casamento e sujeitos à comunicação entre os cônjuges) no regime de separação
de bens; a transação quanto ao dever alimentar, com a abdicação, em
3 Ob. cit, p. 161
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caráter temporário, por parte do credor, do recebimento da verba, ou com a
regulação do valor e do modo e tempo de pagamento etc.
O âmbito de atuação da autonomia privada compreende, também, certos
direitos de personalidade, como salienta Giovani Ettore Nanni, in verbis:
“Assim, a pessoa natural não tem apenas autonomia privada para firmar negócios
jurídicos patrimoniais, isto é, pactuar contratos obrigacionais, transações que envolvam
o direito de propriedade etc., mas essa autonomia também manifesta-se nos
direitos da personalidade, no direito ao próprio corpo, no direito à intimidade, no
direito à imagem e no direito ao cadáver, dentro outros”.4 A Lei n° 9.434, de
4.2.1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano para fins de transplante e tratamento, possibilita a disposição gratuita
de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem.
O âmbito da autonomia privada é determinado pelas normas jurídicas
superiores, que compõem o ordenamento jurídico. O Estado impõe aos cidadãos
o respeito a determinadas regras, concernentes à disponibilidade do direito,
à forma, à capacidade das partes, à licitude do objeto do negócio etc.
2.10 - Autonomia privada e liberdade
O direito limita a liberdade, mas, ao assim fazer, garante essa liberdade.
Liberdade é o substrato de todos os direitos subjetivos.
O direito de criar normas, por meio do negócio jurídico, é corolário da
liberdade garantia pelo próprio direito, ou seja, pelas normas jurídicas superiores.
2.11 - Transgressão da norma jurídica
A transgressão da norma jurídica não gera dever para o transgressor, mas
para quem tem a incumbência de aplicar a sanção que a norma impõe em
virtude da transgressão.
A coação não está incluída na idéia de direito. O que se inclui é a liberdade.
A coação serve ao direito, como necessidade que se impõe a seres livres e
conscientes.
4 GIOVANI ETTORE NANNI, “A autonomia privada sobre o próprio corpo, o cadáver, os órgãos e tecidos diante da
Lei Federal n° 9.434/97 e da Constituição Federal”, in Direito Civil Constitucional, Cadernos 1, coord.: Renan
Lotufo, São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 263.
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2.12 - Direito e dever
Diz Luigi Ferri: “O direito subjetivo é licitude, esfera de licitude, e isso reclama
a idéia de limite e, por conseguinte, a de dever. Onde termina o direito começa o dever.
Uma norma, pois, que impõe um dever a uma pessoa não só atribui, ao mesmo
tempo, a outra pessoa o direito de exigir seu cumprimento, senão atribui também um
direito ao mesmo titular do dever; de outra parte, o titular de um direito não é nunca
somente tal, senão que é sempre também titular de um dever. Este contínuo inverterse
os papéis, este vai e vem de relações de sinal oposto entre os mesmos sujeitos,
representa um aspecto inafastável da completa estrutura do direito”.5
2.13 - Heteronomia e autonomia
Heteronomia é a potestade de impor aos outros uma norma. Caracterizase
no direito público, mas pode ocorrer também no direito privado: p. ex, o
contrato de trabalho que impõe a todos a relação de subordinação.
2.14 - Evolução da autonomia da vontade
2.14 - para a autonomia privada
A autonomia da vontade, com o significado de quase plena liberdade de
criação de normas jurídicas, por meio do contrato, e decorrente, como já
explicitado, do liberalismo consagrado pela Revolução Francesa, aos poucos
veio sendo minimizada pela intervenção do Estado, concebida com vistas à
própria garantia da liberdade, direito este que, pelo abuso do mais forte em
relação ao mais fraco, achava-se comprometido na grande parte das relações
jurídicas. Concebeu-se, então, a autonomia privada, como poder de criação
de normas através de negócios, atribuído a pessoas físicas e jurídicas pelas
normas integrativas do ordenamento jurídico (normas superiores), poder esse,
entretanto, limitado segundo os ditames do interesse público. As limitações
impostas pela lei não debilitam, entretanto, a liberdade contratual; antes a
garantem, ao preservarem o equilíbrio das relações através da proteção dispensada
à parte mais fraca.
Como salienta Humberto Theodoro Junior, “A intervenção da nova ordem
jurídica no domínio do contrato não visa abolir o princípio substancial da igualdade
entre os contratantes; ao contrário, ao tutelar a parte débil e vetar ou alterar
5 Ob. cit, pp. 269/270.
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as cláusulas que lhe são perniciosas, o que realmente promove é o equilíbrio e,
conseqüentemente, a igualdade efetiva dos contratantes”.6
Caio Mário da Silva Ferreira, após anotar que dois parâmetros novos
medem o valor do contrato, quais sejam, concentração dos princípios de ordem
pública e potestatividade das prestações, ou a sua correlação, pondera o
seguinte: “Aquele paralelogramo de forças, que já tenho assinalado, entre a imposição
das forças do Estado e a autonomia da vontade, de que a manifestação contratual
é a resultante (vide minhas Instituições de Direito Civil, vol. III, n°
186), pende para a imposição estatal em detrimento da liberdade individual e da
autonomia da vontade. Como conseqüência de que a economia social se torna cada
dia mais dirigida, o reflexo na vida privada é cada vez maior, e se refere ao dirigismo
contratual como princípio informativo (cf. Louis Josserand, Cours de Droit
Civil Positif Français, vol. II, n° 233; Philippe Malaurie, L´Ordre Public et le
Contrat; Milton Fernandes, Problemas e Limites do Dirigismo Contratual;
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. II, n° 180)”.7
2.15 – Importância da autonomia privada no mundo moderno
A interferência estatal nas relações contratuais fez que muitos juristas,
ainda impregnados pelas idéias do liberalismo ou individualismo advindas do
século XIX e da primeira metade do século XX, proclamassem o declínio do
contrato.
Mas essa concepção não se sustenta, visto que o maior incremento da
economia, como fenômeno dos últimos tempos, gerou a multiplicação quase
infinita das relações contratuais, surgindo os contratos de massa, próprios da
sociedade de consumo, e modalidades novas de negócios, como os relativos
à multipropriedade (p. ex: contrato de time shering), e aparecendo formas
revolucionárias de formação, como os chamados “contratos eletrônicos”;
tudo a indicar a importância ainda maior que o direito contratual ostenta
na atualidade.
Como salienta Caio Mário, “O mundo moderno é o mundo do contrato. E
a vida moderna o é também, e em tão alta escala que, se se fizesse abstração, por um
momento, do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo, a conseqüência
6 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Direitos do Consumidor, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 9.
7 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Direito Civil, Alguns Aspectos da sua Evolução, Rio de Janeiro: Forense, 2001,
pp. 240/241.
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seria a estagnação da vida social. O homo aeconomicus estancaria as suas atividades.
É o contrato que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida
individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários”.8
2.16 - Princípios constitucionais da liberdade e da
2.16 - livre iniciativa como fundamentos da autonomia privada
O art. 5°, II, da CF consagra o princípio da liberdade jurídica (ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei)
e o art. 1°, IV estabelece o princípio da livre iniciativa (a República constituise
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ... os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa), princípio este que é explicitado pelo
art. 170, no sentido de que a ordem econômica é fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, observados os princípios da soberania
nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre
concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução
das desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego e do
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiros e que tenham sua sede e administração no País.
Esses princípios, da liberdade e da livre iniciativa, são inerentes ao regime
democrático. E este regime tem como corolário o sistema capitalista, denominação
que se dá ao sistema econômico que tem o capital como fator de
produção.
O incremento do capitalismo se dá, como visto na lição de Caio Mário,
por meio do contrato. As relações entre empresas e entre particulares ou entre
aquelas e estes acontecem em quantidade incalculável e a uma grande velocidade,
em razão dos instrumentos modernos, especialmente a internet.
Essa inter-relação constante só pode dar-se em um País democrático como
o nosso, cuja Lei Maior consagra a liberdade jurídica e a liberdade de iniciativa,
como base de atuação no mundo dos negócios.
3 - Liberdade de contratar ou exercício da autonomia privada
Como salientado, a autonomia privada é o poder, conferido por normas
8 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, vol. III, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 14.
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jurídicas superiores a pessoas físicas e jurídicas, para criação de normas jurídicas
primárias, por meio do contrato.
O exercício desse poder equivale à liberdade de contratar, ou seja, a
liberdade de criar tais normas jurídicas primárias.
A liberdade de contratar, segundo Orlando Gomes, “abrange os poderes de
auto-regência de interesses, de livre discussão das condições contratuais e, por fim,
de escolha do tipo de contrato conveniente à atuação da vontade. Manifesta-se, por
conseguinte, sob tríplice aspecto: a) liberdade de contratar propriamente dita;
b) liberdade de estipular o contrato; c) liberdade de estruturar o conteúdo do
contrato”.
“A liberdade de contratar propriamente dita é o poder conferido às partes
contratantes de suscitar os efeitos que pretendem, sem que a lei imponha os preceitos
que traça. Em matéria contratual, as disposições legais têm, de regra, caráter supletivo
ou subsidiário, somente se aplicando em caso de silêncio ou carência das
vontades particulares. Prevalece, desse modo, a vontade dos contratantes. Permitese
que regulem seus interesses por forma diversa e até oposta à prevista na lei. Não
estão adstritas, em suma, a aceitar as disposições peculiares a cada contrato, nem a
obedecer às linhas de sua estrutura legal. São livres, em conclusão, de determinar o
conteúdo de contrato, mas nos limites impostos pela lei”.9
A liberdade de contratar, como antes explicitado, permite que pessoas
físicas e jurídicas escolham a modalidade de ato jurídico que pretendem
praticar, regulando o seu conteúdo conforme as conveniências presentes,
desde que essa regulação não contrarie a lei supletiva disciplinadora da matéria
— lei essa que, por ter a maior abrangência das relações situadas no
âmbito do direito privado, é o código civil —, bem como não contrarie leis
de ordem pública.
4 - Limitações à liberdade de contratar
O poder de criação de normas jurídicas primárias, por meio do contrato,
atribuído pelo ordenamento jurídico a pessoas físicas e jurídicas, não é pleno.
Em verdade, nunca foi, pois sempre houve uma certa dose de limitação, ainda
9 ORLANDO GOMES, Contratos, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 26
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que pequena, ditada por normas superiores de ordem pública10 e por regras
de bons costumes11.
Nos últimos tempos, especialmente desde o início da segunda metade
do século XX, as limitações à liberdade contratual vêm sendo exacerbadas,
como decorrência da preocupação do Estado de preservar o interesse coletivo,
posto em confronto com o interesse particular, assim como de manter o equilíbrio
das relações jurídicas, com proteção ostensiva ao fraco diante do forte.
Estabelece-se, assim, o primado do social sobre o individual. E por isso se diz
que, na atualidade, transparece a socialização e a publicização do direito dos
contratos. Com a multiplicação das empresas e, ao mesmo tempo, o crescimento
da sociedade de consumo, surgiram os contratos de massa ou contratos
de adesão, com grande profusão, isso tornando necessária a maior interferência
do poder estatal, com vistas à proteção da coletividade. Daí que, como
diz Darcy Bessone, citando Cosentini, “é necessário criar um sistema de defesas
e garantias para impedir que os fracos sejam espoliados pelos fortes, assim como
para assegurar o predomínio dos interesses sociais sobre os individuais”. O mesmo
autor, reportando-se a Ripert e a Duguit, acrescenta que “todos apelam
para o Estado, exigindo-lhe a ordem econômica. Premido por tão urgentes solicitações,
o Estado passa a dirigir o contrato, não tanto segundo a vontade comum
e provável dos contratantes, mas atentando, sobretudo, às necessidades gerais da
sociedade. Legisla em nome da ordem pública, cuja noção se alarga e enriquece.
A lei deixa de ser a regra abstrata e permanente para se tornar um regulamento
temporário e detalhado”.12
O que se tem, hodiernamente, é o chamado “Estado neoliberal”, que se
preocupa não apenas em declarar direitos individuais e coletivos e estabelecer
garantias fundamentais, mas em torná-los efetivos, mediante políticas
10 Lei de ordem pública, segundo HENRI DE PAGE, citado por ORLANDO GOMES, ob. cit, p. 28, seria “aquela que
entende com os interesses essenciais do Estado ou da coletividade, ou que fixa, no Direito Privado, as bases
jurídicas fundamentais sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de determinada sociedade”.
11 Costume, conforme DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 577, vem
a ser “o princípio ou a regra não escrita que se introduziu pelo uso, com o consentimento tácito de todas as
pessoas que admitiram a sua força como norma a seguir na prática de determinados atos. Nesse sentido, então,
afirma-se que o costume tem força de lei (Consuetudo parem vim habet cum lege). E, em tal circunstância, é
compreendido como a lei que o uso estabeleceu, e que se conserva, sem ser escrita, por uma longa tradição:
Lex non scripta, diuturni mores consensu utentium comprobati. A reunião de regras, derivadas dos costumes,
dizem-se Direito Costumeiro. A eficácia do costume assenta na sua antiguidade e em não se mostrar contrário
a princípio estrito. A antiguidade é decorrente de sua constância evidenciada, sem qualquer oposição, que
indique a não-aceitação dela como regra geral, pois que somente se impõe, quando todos, sujeitos a ela,
habitualmente, tradicionalmente, a vêm admitindo como uso”.
12 DARCY BESSONE, Do contrato - Teoria Geral, São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 35/36
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compatíveis com o princípio de Justiça e, conseguintemente, com o princípio
maior da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado em primeiro plano pela
Constituição Federal (art. 1°, inciso III).
Entre as leis de ordem pública podem ser citadas: as que regulam as
relações de trabalho; as que regulam os planos de saúde; as que regulam o
ensino; as que regulam o mercado de capitais; as que regulam a livre concorrência,
compreendendo as atribuições do CADE; as que regulam transplante
de tecidos e órgãos; as que regulam as relações de consumo, destacando-se o
Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11.09.1990)
decorreu de uma imposição constitucional, como está explicitado em seu art.
1°, in verbis: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor,
de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII,
170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.
Por essa posição destacada e por seu grande conteúdo, o CDC constitui a
lei de ordem pública de maior magnitude em nosso ordenamento jurídico, e,
pois, que mais amplamente limita a liberdade contratual. Dispõe de capítulo
específico sobre a proteção contratual, prevendo meios de proteção à manifestação
de vontade pelo consumidor, estabelecendo garantias em favor dele,
dizendo quais cláusulas contratuais são consideradas abusivas13 e, portanto,
nulas de pleno direito, possibilitando o reembolso em favor do consumidor
que desistir de contrato, quanto a prestações já pagas, regulando a forma do
contrato de adesão etc.
O novo Código Civil, que entrou em vigor no início do ano de 2003 (11
13 “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos
e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de
qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de
consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações
justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste
Código; III – transfiram responsabilidades a terceiros; IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade; V – (vetado); VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII –
determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar
outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato,
embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de
maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja
conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem
que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente
o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de
normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem
a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.”
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de janeiro), também contém normas de ordem pública, como as que dizem
respeito ao estado e à capacidade das pessoas, aos direitos de personalidade,
ao estado civil, aos direitos hereditários, aos princípios fundamentais do direito
de propriedade etc., normas essas que igualmente interferem na liberdade
contratual.
Esse Código, adaptado à nova realidade constitucional e visando a assegurar
aquele primado do interesse coletivo ou social sobre o interesse individual,
bem como buscando preservar o equilíbrio das relações jurídicas contratuais,
contém as chamadas “cláusulas gerais”, de que se tratará adiante, e que,
igualmente, interferem no contrato.
4.1 - Função social como fator limitativo da liberdade contratual
Diz o novo Código Civil, no art. 421, que a liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Essa norma é decorrência do princípio da socialidade que norteia o Código.
São três os princípios básicos norteadores do Código, segundo o eminente
professor Miguel Reale: socialidade, eticidade e operabilidade14.
O princípio da socialidade significa a preocupação com valores coletivos,
de modo que prevaleçam sobre os valores individuais. Tem-se em conta a
realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais
personagens do Direito Privado tradicional: o proprietário, o contratante,
o empresário, o pai de família e o testador. Deu-se novo conceito à
posse, surgindo a posse pro labore, que se caracteriza pelo exercício do trabalho
sobre a coisa e que reduz o prazo de usucapião e tratou-se de outros
aspectos com vistas ao primado do interesse coletivo sobre o individual.
O princípio da eticidade prestigia os critérios éticos da eqüidade, da
boa-fé, da justa causa, entre outros. Dá-se ao juiz a faculdade de suprir lacunas
e de resolver segundo princípios éticos. O Código é um sistema, um
conjunto harmônico de preceitos que exigem, a todo instante, recurso à analogia
e aos princípios gerais de direito. Valoriza-se a cláusula rebus sic stantibus
e cria-se a figura da resolução do contrato como meio de preservação do equilíbrio
contratual.
O princípio da operabilidade que diz respeito à realizabilidade das normas,
14 O Projeto do Novo Código Civil, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 7 a 12.
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que são redigidas com simplicidade e de maneira prática (“o simples é o sinal
da verdade, e não o bizantino e o complicado”, como salienta Miguel Reale15).
Esse princípio levou à criação de uma estrutura de hermenêutica, que é o
complemento natural da estrutura normativa. Esse princípio da operabilidade
compreende o princípio da concretitude, que é a obrigação que tem o
legislador de não legislar em abstrato, mas legislar em concreto, para o indivíduo
situado em determinado âmbito social.
Como já explicitado, o ordenamento jurídico, que era baseado nos princípios
filosóficos do liberalismo, prestigiava o tráfico jurídico e a propriedade
privada. Esta era a expressão da liberdade e o seu tráfico fazia-se livremente, por
meio do contrato, com manifestação quase plena da autonomia da vontade.
O Estado intervencionista do século XX alterou substancialmente essa
conjuntura. A atenção do legislador deslocou-se para a função social da propriedade
e, pois, para a função social do contrato, assim se estabelecendo o
primado do interesse coletivo sobre o interesse individual e buscando-se o
equilíbrio das relações jurídicas, com a proteção do fraco em face do forte.
Gustavo Tepedino salienta o seguinte: “O legislador despe-se do papel de
simples garante de uma ordem jurídica e social marcada pela igualdade formal
(conquista inquestionável da Revolução Francesa), cujos riscos e resultados eram
atribuídos à liberdade individual, para assumir um papel intervencionista, voltado
para a consecução de finalidades sociais previamente estabelecidas e tutelando,
para tanto, a atividade negocial”.
“Preocupa-se o legislador, em particular, com os efeitos perversos gerados pela
isonomia formal, principio destinado exatamente a acabar com privilégios do regime
anterior, mas que, aplicado às relações jurídicas de desigualdade, acabava por
consagrar o predomínio da parte economicamente mais forte sobre a mais fraca”.16
A função social consiste, portanto, em um dos alicerces da teoria do contrato.
Significa o abrandamento da antiga teoria da autonomia da vontade,
conformando-se com o que hoje se chama autonomia privada. O negócio
jurídico pode ser escolhido quanto à sua modalidade e regulado em seu conteúdo,
segundo o consenso das partes, desde que sejam respeitados os limites
inerentes à sua função social. O contrato é submetido a novas exigências, em
sua formação e em sua execução. Mário Aguiar Moura esclarece que “o contrato
15 Ob. cit, p. 10.
16 GUSTAVO TEPEDINO, Temas de Direito Civil, 2ª ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 201
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fica em condições de prestar relevantes serviços ao progresso social, desde que sobre as
vontades individuais em confronto se assente o interesse coletivo, através de regras
de ordem pública, inafastáveis pelo querer de ambos ou de qualquer dos contratantes,
com o propósito maior de evitar o predomínio do economicamente forte sobre o
economicamente fraco”.17
Darcy Bessone cita Cosentini, professor da Universidade de Turim, para
quem: “Um conceito mais justo e mais exato da liberdade, extraída das tendências
sociais mais avançadas, pretende que ela não seja o capricho, nem o exercício da
força individual, nem uma faculdade ilimitada de satisfazer suas próprias utilidades
e de fazer do homem um espoliado, mas que, ao contrário, se subordine sempre
aos interesses sociais, às relações da vida em comum, e reconheça um valor absoluto
à personalidade humana. Se se consideram e tratam do mesmo modo pessoas de
poder desigual, cria-se e consolida-se a desigualdade e chega-se à impossibilidade de
realizar-se a verdadeira justiça, desde que a liberdade deve ser considerada o fundamento
da justiça”.18
O Código Civil de 1916 não trata da função social do contrato. Mas a
Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da função social da propriedade
no art. 5°, XXIII, e tratou dessa matéria também nos arts. 156, §
1°, 170, III, 182, § 2°, e 186. O princípio já integrava nosso direito constitucional.
Na Constituição de 1969, ele era previsto no art. 160, III.
A função social do contrato é corolário da função social da propriedade.
Essa é a razão de ela integrar, como princípio, o direito contratual.
A jurisprudência pátria vem atentando para a função social do contrato.19
17 MÁRIO AGUIAR MOURA, “Função Social do Contrato”, RT 630/247.
18 Ob. cit, p. 34
19 Tribunal de Justiça de São Paulo — “Plano de Saúde - Prazo de carência (24 meses) para cirurgias cardíacas
- Aderente de boa-fé que sofre percalços graves do coração dois meses antes de expirar o prazo - Julgamento
pró-aderente pelo abuso da fixação do limite de prazo de carência - Uma decisão de eqüidade consentânea com
a função social do contrato - Improvimento” (Ap. nº 68.744-4, São Paulo, j. 26.01.99, v.u., 2ª Câm. Dir. Privado
TJSP, rel. Ênio Zuliani).
Tribunal de Justiça do Distrito Federal — “Civil - Promessa de compra e venda - Rescisão contratual
requerida pelos contratantes inadimplentes - Teoria da imprevisão - Código de Proteção e Defesa do
Consumidor - Artigos 82, 120 e 145 do Código de Processo Civil - Princípios do pacta sunt servanda -
Função social. Toda ordem jurídica está imbuída da idéia de moral, o que determina que o negócio jurídico deve
ajustar-se a princípios éticos, o que não ocorre nas hipóteses de cláusula penal que aumenta à medida em que
o contrato está sendo cumprido e, em caso de resolução, culmina com o benefício total da parte a que favorece
a cláusula. O dogma da supremacia da vontade deve ser afastado se obstado maliciosamente o implemento de
condição que aproveita à promitente vendedora” (EI n° 2877492, Distrito Federal, j. 23.11.94, m.v., 1ª Câm.
Cível TJDF, rel. Sandra de Santis).
Tribunal de Alçada do Paraná — “Apelação cível. Ação revisional de contrato bancário c/c pedido de tutela
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É importante destacar, finalmente, que o novo Código Civil trouxe norma
revolucionária com respeito a esta matéria, cominando de nulidade qualquer
convenção que contrariar o princípio da função social. Eis o teor do art.
2.035, que, situado no Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias,
cuida da incidência da lei no tempo e estabelece a nulidade dos atos
jurídicos que sejam contrários a preceitos de ordem pública:
“Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos
antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis
anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a
vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver
sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.
“Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos
de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código pra assegurar
a função social da propriedade e dos contratos”.
5 - Cláusulas gerais do novo Código Civil que
5 - inteferem na formação e na execução do contrato
O novo Código Civil trouxe, como novidade, as cláusulas gerais, que são
conceitos abertos, decorrentes da necessidade de se atribuir maior completude
ao ordenamento jurídico. Nesses conceitos abertos enquadram-se categorias
de fatos e negócios que, por suas peculiaridades, não poderiam ser detalhadamente
disciplinados pelas normas jurídicas.
A premência de se dar efetividade ao ordenamento — o que constitui fenômeno
saliente dos dias atuais — faz que o legislador se atualize em termos de
técnica legislativa, de modo a proporcionar solução jurídica para todos os fatos
antecipatório. Contrato de financiamento para aquisição de bens. Argüição de desatendimento ao princípio
da obrigatoriedade dos contratos, de inaplicação dos juros constitucionais (art. 192, § 3º, da CF), da
possibilidade de capitalização de juros e da legalidade da TR como índice de atualização monetária.
Procedência argumentativa parcial. Recurso provido parcialmente. Como tem decidido o STJ, nem sempre
o princípio do pacta sunt servanda se sobrepõe à função social do contrato. Está consolidado o entendimento,
quanto às taxas de juros em índices superiores aos 12%, que o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal, não
e auto aplicável, necessitando regulamentação. ‘O cálculo da atualização do valor monetário do débito não
pode ter como parâmetro uma taxa (TR) que serve para medir o custo do dinheiro’ (min. Ruy Rosado de Aguiar,
REsp. n° 186.613-RS, DJU 15-03-99). ‘Ainda que pactuada a capitalização de juros somente estará albergada
pela juridicidade em se tratando de títulos especiais’.” (Ap. n° 137017400, Cascavel, j. 13.09.99, 7ª Câm. Cível
TAPR, rel. Eduardo Fagundes).
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da vida em sociedade, ao mesmo tempo conferindo ao juiz, como aplicador
ou operador do direito, um maior âmbito de atuação, com valoração adequada
das questões postas pelas partes no processo, ainda que não haja, para a
situação específica, uma norma especial reguladora. Cabe-lhe observar a cláusula
geral, de larga abrangência, assim dando a cada um o que é seu, segundo
o princípio maior de Justiça consagrado na Carta Magna.
Gustavo Tepedino assim se pronuncia quanto ao tema: “A difusão das
cláusulas gerais coincide, curiosamente, com a já mencionada multiplicação e decomposição
dos institutos. Ou seja, mais e mais se focaliza cada um dos tipos
contratuais em detrimento da teoria geral do negócio jurídico, ao mesmo tempo em
que o legislador se vale de cláusulas gerais, sem a pretensão de ser exaustivo, na
regulamentação dos institutos. A fragmentação dos conceitos, portanto, é acompanhada
de técnica legislativa que se utiliza de cláusulas gerais, exatamente para que
o intérprete tenha maior flexibilidade no sentido de, diante do fato jurídico concreto,
fazer prevalecer os valores do ordenamento em todas as situações novas que,
desconhecidas do legislador, surgem e se reproduzem como realidade mutante na
sociedade tecnológica de massa”.20
O fundamento das cláusulas gerais é o princípio da eticidade, já explicitado,
o qual, segundo Miguel Reale, norteia, ao lado dos princípios da socialidade
e da operabilidade, todo o novo Código Civil.
5.1 - Boa-fé objetiva
Diz o art. 422 do novo Código Civil: “Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios
da probidade e boa-fé”.
O princípio da probidade concerne aos deveres que são inerentes às relações
jurídicas, como os de veracidade, integridade moral, honradez, lealdade.
Quanto à boa-fé, que mais nos interessa, cabe estabelecer distinção entre
boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva, esta que, como já destacado, tem a conotação
de cláusula geral.
Judith Martins-Costa esclarece o seguinte: “A boa-fé subjetiva denota estado
de consciência, ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade
ao direito (sendo) aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em
20 Ob. Cit., p. 207.
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matéria possessória. Diz-se subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve
o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico
ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também
vista subjetivamente com a intenção de lesar a outrem. Já por boa-fé objetiva se
quer significar — segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao §
242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos,
e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law —
modelo de conduta social, arquétipo ou stantard jurídico, segundo o qual ´cada
pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um
homem reto: com honestidade, lealdade, probidade´. Por este modelo objetivo de
conduta, levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status
pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do
standard, de tipo meramente subsuntivo”.21
5.1.1 - Funções da boa-fé objetiva
Tradicionalmente são imputadas à boa-fé objetiva três funções: hermenêutico-
integrativa do contrato; norma de criação de deveres jurídicos; norma
de limitação ao exercício de direitos subjetivos.
A primeira função (interpretativa dos negócios jurídicos) aparece no art.
113 do novo Código Civil, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
A segunda função diz respeito à criação de deveres laterais ou secundários,
confundindo-se com o princípio da probidade, referido no art. 422 do
Código.
Deveres principais são os relativos à prestação e à contraprestação
ajustadas.
Deveres secundários, que, se próprios da cláusula geral da boa-fé objetiva
ou do princípio da probidade, são os de proteção ou de tutela ou de conduta.
Segundo Karl Larenz, são deveres que “excedem o próprio e estrito dever de
prestação” e que são denominados “deveres de conduta”, “já que podem afetar
ao conjunto de conduta que de qualquer modo esteja em relação com a execução
da obrigação. Não cabe demandar sem mais o cumprimento de um determinado
dever de conduta, mas a vulneração culpável de tal dever fundamenta uma
21 JUDITH MARTINS-COSTA, A Boa-Fé no Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 411.
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obrigação de indenização e, em determinadas circunstâncias, outorga à outra parte
o direito a resolver o contrato”.22
Nossos tribunais, especialmente o Colendo Superior Tribunal de Justiça,
têm aplicado, nos julgamentos, os postulados da boa-fé objetiva, com destaque
para os concernentes aos deveres de conduta23.
A terceira função, limitativa de direitos subjetivos, aparece no art. 187
do novo Código, segundo o qual “também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
O direito deve ser regularmente exercitado, segundo as normas jurídicas
superiores e as normas jurídicas primárias contidas no próprio contrato. O
excesso, representado por comportamento contrário aos padrões de conduta
considerados normais pela sociedade, ou seja, contrário à boa-fé objetiva, tem
o significado de ato ilícito, implicando para o faltoso o dever de indenizar.
Na jurisprudência acham-se inúmeros casos relativos a abuso de direito
no âmbito contratual.24
22 KARL LARENZ, Derecho de Obligaciones, tradução espanhola e notas de Jaime Santos Briz, tomo I, Madri: Ed.
Revista de Derecho Privado, 1958, pp. 22/23.
23 “Compra e venda. Laranja. Preço. Modificação substancial do mercado. O contrato de compra e venda
celebrado para o fornecimento futuro de frutas cítricas (laranja) não pode lançar as despesas à conta de uma
das partes, o produtor, deixando a critério da compradora a fixação do preço. Modificação substancial do
mercado que deveria ser suportada pelas duas partes, de acordo com a boa-fé objetiva (art. 131 do
CComercial). Recurso conhecido e provido” (REsp. nº 256456/SP, j. 22.03.01, v.u., 4ª T., rel. min. Ruy Rosado de
Aguiar, DJ 07.05.01, p. 147).
“Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento
do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão
da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do
contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se
demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve
a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do
credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de
posse. Recurso não conhecido” (REsp. nº 272739/MG, j. 01.03.01, v.u., 4ª T., rel. min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 02.04.01, p. 299).
“Incorporação. Resolução do contrato. Restituição. Lei nº 4.591/64. Código de Defesa do Consumidor. 1. O
contrato de incorporação, no que tem de específico, é regido pela lei que lhe é própria (Lei. nº 4.591/64), mas
sobre ele também incide o Código de Defesa do Consumidor, que introduziu, no sistema civil, princípios gerais
que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva. 2. A
abusividade da cláusula de decaimento, com previsão de perda das parcelas pagas em favor do vendedor, pode
ser reconhecida tanto na ação proposta pelo vendedor (art. 53 do Codecon) como na de iniciativa do comprador,
porque a restituição é inerente à resolução do contrato e meio de evitar o enriquecimento injustificado. 3.
Porém, não viola a lei o acórdão que examina fatos e contratos à luz do Codecon e nega a extinção do contrato
de incorporação, afastando a aplicação da teoria da imprevisão e a alegação de culpa da empresa vendedora.
Mantido o contrato, não há cuidar da devolução das prestações pagas. Recurso não conhecido (Súmulas 5 e 7)”
(REsp. nº 80036/SP, j. 12.02.96, v.u., 4ª T., rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 25.03.96, p. 8586).“
24 Supremo Tribunal Federal — “Abuso de direito. Locação de prédio não-residencial. 1) Locador que é, ao
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5.1.2 - Responsabilidade pré-negocial ou culpa in contrahendo
O dispositivo em comento (art. 422 do novo Código Civil), contém
referência à conclusão e à execução do contrato. Não faz menção à fase prénegocial.
A responsabilidade pré-negocial distingue-se da responsabilidade fundada
em pré-contrato ou contrato preliminar, pois esta decorre do contrato, que
tem por objeto obrigação de fazer ou obrigação de contrair. O âmbito ou
espaço de incidência da responsabilidade pré-negocial está no “ainda-nãomesmo
tempo, sócio da sociedade locatária. Autonomia subjetiva da sociedade em relação aos sócios. Não
quebra esse princípio decisão que considerou o substrato da sociedade, para definir a posição de um dos sócios
— o locador —, para verificar se este incorria em violação da norma do artigo 1.363 do Código Civil, segundo
o qual celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou
recursos, para lograr fins comuns. 2) Não contravém ao artigo 4º, III, combinado com o artigo 3°, do Decretolei
n° 4, decisão que, sem negar que o locador pode retomar o imóvel, por não lhe convir continuar a locação,
reputa, no caso, eivada de abuso de direito a ação de despejo, em que o autor e sócio da locatária, uma vez
que, segundo o exame dos fatos, o despejo tinha por fim destruir a sociedade ou empobrecê-la, desmoroná-la,
afligi-la economicamente. 3) Recurso extraordinário não conhecido” (RE n° 81902/RJ, j. 18.11.77, 2ª T., rel. min.
Leitão e Abreu).
Superior Tribunal de Justiça — “Conta corrente. Apropriação do saldo pelo banco credor. Numerário destinado
ao pagamento de salários. Abuso de direito. Boa-fé. Age com abuso de direito e viola a boa-fé o banco
que, invocando cláusula contratual constante do contrato de financiamento, se cobra lançando mão do
numerário depositado pela correntista em conta destinada ao pagamento dos salários de seus empregados,
cujo numerário teria sido obtido junto ao BNDES. A cláusula que permite esse procedimento é mais abusiva do
que a cláusula mandato, pois, enquanto esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a
cobrança pelos próprios meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos. Recurso conhecido e
provido” (REsp. n° 250523/SP, j. 19.10.00, v.u., 4ª T., rel. min. Ruy Rosado de Aguiar).
Tribunal de Justiça de São Paulo — “Contrato - Plano de saúde - Rescisão unilateral por parte da empresa
prestadora dos serviços - Elaboração de novo instrumento - Aumento das mensalidades sem interrupção dos
serviços - Impossibilidade - Abuso de direito - Continuidade do contrato anterior - Recurso não provido” (Ap. n°
46.939-4, São Paulo, j. 30.06.99, v.u., 8ª Câm. Dir. Privado TJSP, rel. Haroldo Luz).
“Contrato - Prestação de serviços médicos - Atendimento em localidade diversa da estabelecida no “contrato
padrão” - Admissibilidade - Reconhecimento de cláusula abusiva, inclusive, por parte da prestadora, que,
reiteradamente, autorizou a prestação de serviços em outra localidade - Recurso não provido. As restrições e
condições estabelecidas pela ré configuram típica situação de abuso do direito de contratar, tornando letra
morta o princípio da autonomia da vontade, em face da inegável situação de prevalência da parte contratada,
ante as deficiências das instituições de saúde pública” (Ap. n° 267.932-2, Catanduva, j. 27.02.96, m.v., 11ª
Câm. Civil TJSP, rel. Mohamed Amaro).
“Contrato - Fornecimento e comodato - Contrato com caráter de adesão com duração de 5 anos - Inadimplência
- Cobrança - Inadmissibilidade - Fornecedora que não denunciou o contrato no primeiro trimestre do qüinqüênio,
em que teria ocorrido a inadimplência inicial - Patente o abuso de direito e ausência de boa-fé - Impossibilidade
de vinculação ad aeternum, a um contraente que insiste em não agir de imediato contra o adquirente faltoso,
para impedir execução menos onerosa para este - Embargos rejeitados” (EI n° 118.331-1, Guarulhos, j.
27.02.91, TJSP, rel. Fonseca Tavares).
“Contrato de compra e venda - Safra agrícola - Previsão de preço final por cotação internacional - Riscos do
empreendimento pelo comprador - Inexistência de contrapartida para a vinculação do vendedor - Conteúdo de
abuso do direito da cláusula - Recurso não provido. Em contrato de compra e venda de safra, a cláusula
contratual, contendo previsão de preço final do produto, por meio de cotação em bolsa internacional de
mercadorias, por envolver o vendedor nos riscos da atividade do comprador, sem contrapartida, por parte
daquele, é considerada com conteúdo de abuso de direito, não vinculando o vendedor, por contrariar interesses
gerais preponderantes, no exercício do direito” (Ap. n° 15.600-4, Bebedouro, j. 12.06.97, v.u., 8ª Câm. Dir.
Privado TJSP, rel. César Lacerda).
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contrato” ou no “trato” ou nas “tratativas”, quando ainda não há relação jurídica
estabelecida. A ação ou omissão contrária à boa-fé, nessa fase preliminar
do negócio, pode dar ensejo à responsabilidade.
A delimitação do âmbito dá-se pelas categorias jurídicas da proposta e da
aceitação, que são negócios jurídicos unilaterais receptícios. Para que o contrato
se forme, há necessidade de junção dos dois negócios jurídicos unilaterais,
quais sejam, proposta/aceitação, assim ocorrendo a bilateralização. A definição
da responsabilidade nessa fase pré-negocial depende da análise das
circunstâncias do caso concreto, sendo evidente que só se pode cogitar de
responsabilidade em havendo dano comprovado e nexo de causalidade entre
esse dano e a conduta imputável ao sujeito envolvido nas tratativas. E é preciso
que a conduta pré-negocial de uma parte tenha gerado confiança legítima:
ou de que o contrato seria concluído ou de que o contrato concluído fosse
dotado de validade ou eficácia ou de que a conduta pré-negocial fosse marcada
pela lealdade e boa-fé objetiva. Na última situação enquadra-se o fato de o
sujeito da negociação não guardar sigilo acerca das informações recebidas em
razão do contrato a celebrar, isso vindo a causar dano ao outro sujeito.
Jhering, que pioneiramente cuidou da teoria da “culpa in contrahendo”,
enquadrou a responsabilidade do lesante no campo da responsabilidade contratual,
significando espécie do gênero responsabilidade contratual.
A responsabilidade pré-negocial decorre da quebra, pelo lesante, dos deveres
de verdade ou esclarecimento, de lealdade, enfim, de boa-fé objetiva.
O novo Código Civil estabeleceu a boa-fé objetiva como cláusula ou
princípio de informação do direito contratual, como um todo, embora, por
defeito de técnica legislativa, não haja feito menção à fase pré-negocial. De
modo que a quebra ou inobservância dos deveres inerentes à boa-fé, nessa fase
de tratativas preliminares, desde que cause dano à outra parte, implica responsabilidade
pela reparação.
6 - Cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão)
6 - em dívida em dinheiro
Esta cláusula geral está no art. 317 do novo Código Civil, com estes termos:
“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o
valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a
pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
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Esse art. 317 é complementar aos arts. 315 e 316, assim redigidos:
“Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em
moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes”.
“Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações
sucessivas”.
Há décadas existe, no Brasil, o instituto da correção monetária, com finalidade
de minimização dos efeitos perversos da inflação. Sua finalidade é a
preservação do capital representado pelo valor nominal. Esse valor é corrigido
com base em índices oficiais, de sorte que se transforma, se engrandece numericamente,
mantendo, entretanto, o mesmo poder de compra original.
Esse mecanismo serve a manter o equilíbrio do contrato, ao longo de sua
execução. Sem ele, com a desvalorização constante da moeda, o crédito se
tornaria cada vez menos representativo da realidade almejada pelas partes; e
isso implicaria demasiado prejuízo para o credor e, em contrapartida, enriquecimento
sem causa para o devedor.
No início, como não havia lei permitindo a imposição de correção monetária
por decisão judicial, consolidou-se a jurisprudência no sentido de que
ela era cabível apenas em dívidas de valor, como as resultantes de atos ilícitos.
Depois, com certo acanhamento, os Tribunais começaram a aplicá-la também
em dívidas de dinheiro. Até que foi promulgada a Lei n° 6.899, de 8 de abril
de 1981, determinando a aplicação da correção monetária nos débitos de
quaisquer naturezas oriundos de decisão judicial.
Na atualidade, é regra quase absoluta constar no contrato a estipulação
de correção monetária. E, na generalidade dos processos judiciais, ela é considerada.
A cláusula geral de que se trata, consubstanciada no art. 317, terá incidência,
portanto, se, no contrato, não houver previsão de correção. Neste
caso, e desde que estejam presentes os requisitos da imprevisibilidade e da
desproporção manifesta entre o valor da prestação devida — como estabelecida
no momento da criação do contrato — e o seu valor no momento do
pagamento, poderá o credor pedir ao juiz a revisão do contrato, com a determinação
da correção da prestação, isso como modo de restabelecimento do
equilíbrio da relação jurídica.
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A correção poderá dar-se por outro mecanismo, que não a correção monetária,
se esta já não existir no País.
Aliás, na redação original do dispositivo, no projeto do Código Civil,
constou expressamente correção monetária. Mas a expressão foi suprimida do
texto porque se entendeu que a correção monetária é instituto de vigência não
permanente. Sendo o Código Civil destinado a longa duração, não se poderia
manter, em seu conteúdo, um mecanismo de atualização de prestação passível
de desaparecer em razão da conquista da estabilidade econômica pelo País.
São dois os requisitos para a revisão judicial do contrato:
a) imprevisibilidade da alteração superveniente da conjuntura econômica;
b) desproporção manifesta entre o valor da prestação original e o seu
valor efetivo no momento da execução.
O primeiro requisito, da imprevisibilidade, deve ser aferido com vistas ao
momento da formação do contrato. Se nesse momento reinava estabilidade
econômica, em conjuntura geral capaz de justificar a expectativa de longa
duração dessa estabilidade, ter-se-á como imprevisível ou inesperada a modificação
desse estado, a qual veio a ocorrer no curso da execução do contrato.
Caberá analisar, outrossim, com vistas a esse requisito da imprevisibilidade,
a intenção das partes no momento da formação do contrato, indagando-se
se o credor, no propósito de conquistar a freguesia, como normalmente ocorre
em ocasiões de “maré baixa” em certos ramos de negócio, assumiu ou não o
risco de eventual prejuízo por conseqüência de eventual alta dos índices inflacionários.
É comum o comerciante ou prestador de serviços oferecer ao cliente
um negócio mediante parcelas fixas, já calculadas com base em juros determinados,
assim ficando garantida para o devedor a igualdade das prestações até
o final cumprimento do contrato. Sendo relativamente estáveis as condições
do mercado, mas não se podendo excluir, com segurança, a possibilidade de
alteração superveniente, o que ocorre, no estabelecimento de prestações fixas,
é a assunção do risco, pelo credor, quanto ao prejuízo resultante de alteração
nos índices inflacionários. Assim, ele não poderá cogitar do pressuposto da
imprevisibilidade com o fim de revisão judicial do contrato. Eventuais prejuízos
integram os riscos naturais da atividade negocial e, se estes riscos são assumidos,
com a fixação de prestações uniformes — a despeito de estar presente na
economia a inflação, embora em índices baixos —, não se torna viável a invocação
da teoria da imprevisão. Este nomen iuris “teoria da imprevisão” é, por si,
indicativo de que apenas se pode invocar alteração imprevisível.
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Quanto ao segundo requisito, é bem certo que o desequilíbrio contratual
decorrente da alteração superveniente da conjuntura econômica deve ser de
grande magnitude, não bastando o prejuízo de pequena monta, pois esse faz
parte do risco de todo e qualquer negócio. A regra do art. 317 contém a
expressão “desproporção manifesta”, precisamente para indicar a alteração que
implique grande perda para o credor, imprevisível na ocasião da formação do
contrato. De sorte que a pequena variação dos índices inflacionários — fenômeno
que tem sido comum em nosso País nos últimos anos, desde a implantação, em
1994, do Plano Real — não justifica a invocação da teoria da imprevisão. No
passado recente, anterior ao Plano Real, tivemos a infelicidade de conviver com
grande instabilidade econômica, o que justificou a edição de sucessivos e infrutíferos
planos econômicos. A inflação mensal chegou a superar 80%. Em
circunstâncias tais, chegou-se a admitir a revisão dos contratos, como se observa
no trabalho de Judith H. Martins Costa, intitulado “A teoria da imprevisão e
a incidência dos planos econômicos governamentais na relação contratual”,
publicado na Revista dos Tribunais, edição de agosto de 1991 (pp. 41/48).
Melhores esclarecimentos sobre a teoria da imprevisão serão dados no
desenvolvimento do item seguinte, por ser abrangente de alterações gerais da
relação contratual — excluída apenas a alteração derivada da inflação, de que
aqui se tratou — e por implicar, em primeiro e mais importante plano, a
resolução do contrato, enfocando, a seguir, a revisão.
7 - Onerosidade excessiva como causa
7 - de resolução ou de revisão do contrato
O novo Código Civil contém a cláusula geral — que não há no Código
de 1916 — com o seguinte teor:
“Art. 478. No contrato de execução continuada ou diferida, se a prestação
de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos
da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Esse dispositivo é complementado pelos arts. 479 e 480, dos seguintes
teores:
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“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
eqüitativamente as condições do contrato”.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das
partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado
o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.
Conforme já salientado, uma das conseqüências da Revolução Francesa
foi a consagração da teoria da autonomia da vontade nas relações contratuais,
atribuindo-se aos particulares o poder de criação de normas jurídicas, por
meio de negócios, sem outras limitações que não aquelas próprias das leis de
ordem públicas e aquelas decorrentes dos bons costumes. Instituiu-se a máxima
pacta sunt servanda (o contrato é lei entre as partes). E, por coerência com
este princípio da força obrigatória dos contratos, não se adotou a teoria da
imprevisão, que já era conhecida, há séculos. Othon Sidou refere-se à presença
dessa teoria no Código de Hammurabi, rei da Babilônia, mais de mil anos
antes de Roma, em que constava o seguinte dispositivo: “Se alguém tem um
débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou, por
falta d´água, não cresce o trigo no campo, ele não deverá, nesse ano, dar trigo ao
credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano”.25
Seguindo a filosofia do liberalismo, nosso Código Civil de 1916 não
adotou a teoria expressamente. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento
de 22 de novembro de 1935, referido por Eduardo Espínola, apud Judith H.
Martins Costa, concluiu pela rejeição da teoria, entendendo o voto vencedor,
do min. Costa Manso, que “a construção de doutrinas jurídicas, não expressamente
reveladas na lei positiva, jamais poderá ferir a letra da lei”, porquanto,
como afirmado pelo min. Carvalho Mourão no mesmo acórdão, “é inquestionável
que o Código Civil não cogita da cláusula rebus sic stantibus”.26
Nosso Direito, aos poucos, vem, no entanto, adotando expressamente a
teoria, especialmente no âmbito do contrato de locação, criando a ação revisional
de aluguel (Lei n° 6.649/79, que veio a ser substituída pela atual Lei
do Inquilinato – n° 8.245/91). Nos contratos com o Poder Público, também
se passou a admitir a revisão pela própria administração pública, conforme o
Decreto-lei n° 2.300, de 21.11.1986.
25 OTHON SIDOU, A Revisão Judicial dos Contratos, 2ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 3.
26 JUDITH H. MARTINS COSTA, “A teoria da imprevisão e a incidência dos planos econômicos governamentais na
relação contratual”, RT 670/42.
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Mais recentemente, surgiu o Código de Defesa do Consumidor, também
consagrando expressamente a cláusula em seu art. 6°, inciso V, in verbis:
“Art. 6°. São direitos básicos do consumidor: V – a modificação das cláusulas
contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
A jurisprudência evoluiu, desde aquele precedente do Supremo Tribunal
Federal, passando a considerar a cláusula rebus sic stantibus como implícita em
qualquer contrato de execução continuada, tendo o fim ético de preservação
do equilíbrio da relação jurídica.
De sorte que se tornou comum a ação de resolução ou de revisão do
contrato com base na teoria de imprevisão, mesmo antes de ela ser positivada
pelo Direito Civil. São muitos os precedentes, acolhendo ou não a invocação
da teoria, conforme estejam ou não preenchidos os seus requisitos.27 Nossa
27 Resolução
Tribunal de Justiça de São Paulo — “Compromisso de compra e venda - Rescisão - Pedido baseado na
onerosidade excessiva do contrato, em face da inferioridade dos reajustes dos vencimentos do comprador em
relação ao das prestações Inadmissibilidade - Situação financeira do autor que não é causa motivadora para a
dissolução do contrato - Reajuste das prestações, ademais, que não está vinculado à equivalência salarial -
Inaplicabilidade da cláusula rebus sic stantibus - A resolução dos contratos por onerosidade excessiva depende
de alteração imprevisível das circunstâncias objetivas, existentes na data do contrato e a inflação, moléstia
crônica da economia brasileira não pode ser considerada fenômeno imprevisível” (Ap. n° 216702 2, São Paulo,
j. 09.12.93, m.v., 11ª Câm. Civil TJSP, rel. Gildo dos Santos).
Tribunal de Justiça de São Paulo — “Contrato. ‘Teoria da imprevisão’ - Compromisso de compra e venda
Plano Collor - Impossibilidade de cumprimento de obrigação em cruzeiros 15 dias após o plano, notadamente
com correção de 84,32% - Onerosidade excessiva comprovada - Resolução decretada com restituição dos
valores recebidos devidamente atualizados - Recurso provido. Os valores disponíveis inviabilizam o adimplemento
da obrigação com vencimento dias após o advento do referido plano. Os valores das parcelas vencidas em
02.04.90, 15 dias após, correspondiam a cerca de seis vezes o valor de cr$ 50.000,00, quantia essa, em regra,
disponível aos correntistas e poupadores” (Ap. n° 177744 2, São Paulo, j. 17.09.91, v.u., 15ª Câm. Civil TJSP,
tel. Ruy Camilo).
Revisão
Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo — “Arrendamento mercantil - Leasing - revisão
contratual - Variação cambial - Onerosidade excessiva - Não-configuração - Código de Defesa do
Consumidor - Inaplicabilidade. A chamada revisão judicial dos contratos assenta-se na onerosidade
excessiva. Entretanto, no contrato de leasing com cláusula de reajuste cambial, não se configura, porque
previsível a possibilidade a sua variação, para mais ou para menos, de acordo com a política governamental
ou dos movimentos do mercado financeiro, onerando ambos os contratantes” (Ap. n° 617.634-00/2, j.
22.11.01, 8ª Câm. 2° TACivSP, rel. Walter Zeni ).
Revisão
Segundo Tribunal de Alçada Civel de São Paulo — “Reserva de domínio - Contrato de compra e venda -
Revisão contratual - Variação cambial - Assunção de dívida em moeda estrangeira celebrada com
empresa de factoring - Onerosidade excessiva - Caracterização (artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa
do Consumidor) - Substituição pela Taxa Referencial (TR) - Admissibilidade. Embora descabido argumentar
com a teoria da imprevisão, repentina e expressiva alta do dólar, moeda eleita para reajuste das prestações que
integram contrato de compra e venda mercantil, impôs onerosidade excessiva que, frente ao disposto na lei
consumerista, permite acertamento de novo índice para recompor o equilíbrio contratual” (Ap. n° 597.150-00/
0, j. 18.04.91, 9ª Câm. 2° TACivSP, rel. Francisco Casconi).
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doutrina tem procurado dar os contornos exatos da teoria e estabelecer os
requisitos para o seu acolhimento.
Caio Mário, com a sua habitual acuidade, assim se pronuncia: “Admitindo-
se que os contratantes, ao celebrarem a avença, tiveram em vista o ambiente
econômico contemporâneo, e previram razoavelmente para o futuro, o contrato tem
de ser cumprido, ainda que não proporcione às partes o benefício esperado. Mas, se
tiver ocorrido modificação profunda nas condições objetivas coetâneas da execução,
em relação às envolventes da celebração, imprevistas e imprevisíveis em tal momento,
e geradoras de onerosidade excessiva para um dos contratantes, ao mesmo passo que
para o outro proporciona lucro desarrazoado, cabe ao prejudicado insurgir-se e recusar
a prestação. Não o justifica uma apreciação subjetiva do desequilíbrio das prestações,
porém a ocorrência de um acontecimento extraordinário, que tenha operado a
mutação do ambiente objetivo, em tais termos que o cumprimento do contrato implique,
em si mesmo e por si só, o enriquecimento de um e empobrecimento do outro.
Para que se possa, sob fundamento na teoria da imprevisão, atingir o contrato, é
necessário ocorram requisitos de apuração certa: a) vigência de um contrato de execução
diferida ou sucessiva; b) alteração radical das condições econômicas objetivas no
momento da execução, em confronto com o ambiente objetivo no da celebração; c)
onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro; d)
imprevisibilidade daquela modificação”.28
Esses requisitos estão claramente estabelecidos no art. 478 do novo Código
Civil, nos termos a seguir destacados: “Nos contratos de execução continuada
ou diferida / se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente
onerosa / com extrema vantagem para a outra / em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Observa-se que não basta a superveniência de onerosidade excessiva para
Revisão
Tribunal de Alçada de Minas Gerais — “Apelação. Ação de revisão de contrato. Relação de consumo.
Caracterização. Onerosidade excessiva. Conceito. Ocorrência. Recurso não provido. 1. A relação de consumo
ocorre quando o adquirente do produto e do serviço é destinatário final dos mesmos. 2. Jornalista que adquire
automóvel é consumidor nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 1990. 3. Onerosidade excessiva em
detrimento do consumidor nulifica a cláusula contratual respectiva. 4. Entende-se como presente a onerosidade
excessiva a superveniência de circunstância extraordinária, fora da álea normal de qualquer contrato, e que
gere enriquecimento do fornecedor em detrimento do consumidor. 5. A brusca e imprevista variação cambial do
mês de janeiro de 1999 constitui a circunstância imprevista autorizadora da revisão do contrato para alteração
do indexador de atualização monetária das prestações. 6. Apelação conhecida e não provida” (Ap. n° 0318703-
7, Uberaba, j. 03.10.00, v.u., 2ª Câm. Civil TAMG, rel. Caetano Levi Lopes).
28 Instituições ..., p. 141
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uma das partes, ocorrência esta imprevisível ao tempo da formação do contrato.
É imprescindível que, paralelamente, esteja acontecendo, em virtude dessa
onerosidade excessiva, extrema vantagem para a outra parte.
Ao juiz não é dado olhar apenas para a situação do devedor. Atento ao
princípio da imparcialidade, que deve nortear o seu julgamento, deve averiguar
se efetivamente está acontecendo desequilíbrio na relação contratual de
natureza continuada, ou seja, se o credor está se beneficiando indevidamente
à custa do devedor.
Tem sido muito comum o devedor comparecer a juízo com invocação da
teoria da imprevisão, pensando, entretanto, ao fazer o juízo de viabilidade da
ação, apenas em seu interesse, sem atentar para a situação do credor. No curso
do processo, surgem os esclarecimentos sobre o desenvolvimento da relação
jurídica, verificando-se, então, que, apesar da onerosidade alegada pelo autor,
não há lugar para acolhimento da teoria da imprevisão, dada a ausência do
outro requisito, concernente ao benefício exagerado para o réu. Casos há em
que a onerosidade excessiva para uma parte não resulta lucro excessivo para a
outra que, ao contrário, em face das alterações conjunturais surgidas no curso
da execução do contrato, também sofre prejuízos.
Além dos requisitos mencionados, tem sido assente na doutrina o entendimento
no sentido de que a parte interessada na revisão do contrato não
pode achar-se em mora. Assim é a lição de Caio Mário: “O contratante prejudicado
ingressará em juízo no curso de produção dos efeitos do contrato, pois que, se
este já estiver executado, não tem mais cabimento qualquer intervenção. É igualmente
necessário que o postulante não esteja incurso nas suas sanções por inexecução.
Mesmo em caso de extrema onerosidade, é vedado ao queixoso cessar pagamentos
e proclamar diretamente 29a resolução. Terá de ir à Justiça, e essa deverá apurar
com rigor os requisitos de aplicação da teoria revisionista”.
O Código Civil português é expresso: “Art. 438. A parte lesada não goza
do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento
em que a alteração das circunstâncias se verificou”.
No entanto, não estando a ausência de mora prevista em nossa lei civil,
nem no CDC, entende-se que não se trata de um requisito da ação de resolução
ou revisão. Essa pode ser proposta, ainda que a parte interessada esteja em
29 Instituições ...., p. 142
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mora, não cabendo ao juiz extinguir o processo por falta de condição da ação
(interesse de agir).
O que ocorre, diante da situação de mora ou inadimplemento, é a
possibilidade de a outra parte exercer, paralelamente, o direito de ação,
visando ou à rescisão do contrato ou à cobrança do que lhe é devido,
inclusive os consectários da mora (juros e multa). Uma vez que o contrato
constitua título executivo extrajudicial, pode essa parte credora ajuizar a
ação de execução.
A ação de resolução ou revisão do contrato, fundada na imprevisão, não
tem, portanto, nesse caso de mora do devedor, o efeito de obstar o exercício
do direito de ação pela outra parte. Sendo o contrato um título executivo
extrajudicial, incide a norma do art. 585, § 1°, do CPC, no sentido de que “a
propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não
inibe o credor de promover-lhe a execução”.
Mas pode a parte que esteja em situação de mora pedir ao juiz, ao
propor a ação de resolução ou revisão, um provimento acautelatório que lhe
permita cumprir a obrigação, ainda que do modo por ela própria considerado
correto, segundo as cláusulas contratuais. Esse tipo de provimento é
agora permitido pelo § 7° do art. 273 do CPC, acrescentado pela Lei nº
10.444, de 7.5.2002, cuja redação é a seguinte: “Se o autor, a título de antecipação
de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando
presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental
do processo ajuizado”. Exige-se, para a concessão da medida, a presença
dos requisitos próprios, quais sejam: fumus boni iuris e periculum in
mora. O primeiro requisito diz respeito à aparência de bom direito ou probabilidade
de o direito invocado vir a ser reconhecido na sentença. E o
segundo refere-se ao perigo da demora, quanto a cuja presença, em se tratando,
como no caso, de pedido com objetivo de afastamento da mora contratual,
não há dúvida. Não se exclui a ação de consignação em pagamento,
embora possa significar, diante das circunstâncias, contrariedade ao princípio
da economia processual, pois inaugura outro processo, quando o que a
parte pretende é, singelamente, cumprir a obrigação, de modo a afastar a
mora, e, assim, viabilizar a ação fundada na teoria da imprevisão. Constituindo
o contrato um título executivo extrajudicial, uma vez que se admita
o depósito judicial, assim ficando afastada a mora em caráter provisório,
impede-se a outra parte de proceder à execução, pois se retira desse título o
requisito da exigibilidade.
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Mesmo assim — impedida a ação de execução — ao credor fica reservada
a possibilidade de formular pleito de resolução do contrato ou de condenação
do devedor ao cumprimento do que foi convencionado, se, no seu
entender, o depósito efetuado pelo devedor com a finalidade de afastamento
da mora não se mostrar suficiente, ou seja, não corresponder precisamente
ao que fora contratado. Ele pode utilizar a via da reconvenção, se o procedimento
por que optou o devedor para a ação de resolução ou revisão o
permitir. Como regra, a reconvenção tem cabimento no procedimento ordinário.
Não cabe no procedimento sumário e em alguns tipos de procedimentos
especiais. Não sendo viável a reconvenção, o credor pode optar por
ação autônoma que, em razão do fenômeno processual da conexão, pode ser
reunida à ação de revisão. Na sentença, o juiz aprecia primeiramente a reconvenção
ou a ação do credor, por ser antecedente lógico no julgamento
conjunto. Sendo acolhida a pretensão do credor, a conseqüência lógica é a
rejeição da ação do devedor. Não sendo acolhida, o juiz passa à análise da
ação do devedor, admitindo-a ou não. Não se exclui a possibilidade de improcedência
de ambas as ações.
O novo Código Civil colocou em primeiro plano a resolução do contrato
por onerosidade excessiva, o que não parece ser o caminho ideal, pois se deve
buscar sempre, na medida do possível, salvar as relações jurídicas.
A revisão vem a seguir.
A primeira hipótese é a do art. 479: diante da ação de resolução, o réu
concorda em modificar eqüitativamente as condições do contrato. A modificação
do contrato dá-se, neste caso, por reconhecimento da procedência do
pedido pelo réu, competindo ao juiz pôr fim ao processo com julgamento de
mérito, nos termos do art. 269, inciso II, do CPC. É a ação de resolução com
resultado de revisão.
A segunda hipótese diz respeito especificamente à ação de revisão. Sendo
caso de obrigações a cargo de apenas uma das partes, poderá ela optar pela
ação de revisão, “a fim de que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de
executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.
Este é o tipo de ação mais comum, segundo o que se observa nos meios
forenses e nos repertórios de jurisprudência. São muitos os casos envolvendo
contratos de financiamento para aquisição de casa própria, contratos de cartão
de crédito, contratos de leasing, contratos de plano de saúde. As notas de
rodapé já lançadas bem evidenciam essa assertiva.
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8 - Conclusão
Cuidou-se, neste trabalho, de esclarecer os vários aspectos da liberdade
contratual, fazendo-se referências históricas, tecendo-se considerações sobre o
que, na atualidade, se chama “autonomia privada” e que representa uma evolução
da teoria da autonomia da vontade. Traçaram-se os fundamentos constitucionais
do poder de criação de normas jurídicas, por meio do contrato,
salientando-se, sempre, a grande profusão e a complexidade das relações jurídicas
no mundo moderno, a exigir intervenção decisiva por parte do Estado,
com o fim de preservar o equilíbrio dessas relações e de proteger o fraco diante
do forte. O Direito do Contrato passou a ter conotações diversas daquelas que
eram de sua tradição, agora prestigiando-se a função social das relações jurídicas,
ou seja, dando-se maior valor ao interesse coletivo, em detrimento do
individual. Essa função social do contrato é, naturalmente, limitativa da liberdade
de criação de normas jurídicas primárias por pessoas físicas e jurídicas.
Destacam-se, na consubstanciação dessa função social, muitas leis, chamadas
“de ordem pública”, entre elas estando as que regulam o ensino, a saúde, as
relações de consumo, sendo estas últimas de maior magnitude, com grande
intensidade de limitação, por tratarem da proteção do consumidor que, na
sociedade atual, em que se potencializam os meios de produção pelas empresas,
muitas de grande porte e até de abrangência multinacional, submete-se, a todo
o instante, a contratos os mais diversos, sem ter meios para discuti-los ou
mesmo recusá-los. As leis impõem comportamentos adequados aos agentes
econômicos e criam mecanismos para a fiscalização desses comportamentos,
aos quais pode o consumidor recorrer. E, no controle da iniciativa empresarial
e da livre concorrência, atuam órgãos públicos com poderes de julgamento
administrativo, como é o caso do CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica), criado pela Lei n° 4.137, de 10.09.1962, e transformado em autarquia
pela Lei n° 8.884, de 1994, chamada “Lei Antitruste”.
Tratou-se, depois, das cláusulas gerais consagradas pelo novo Código Civil,
fundadas no princípio da eticidade, quais sejam: boa-fé objetiva, onerosidade
excessiva em dívida de dinheiro e onerosidade excessiva como causa de resolução
ou revisão do contrato.
Não se tratou dos temas “estado de perigo”, regulado no art. 156, e
“lesão”, regulado no art. 157, em razão dos estreitos limites deste trabalho.
São temas interessantes, que chegam como novidade no novo Código Civil,
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com interferência no direito contratual, especificamente na formação do
contrato. Não se situam no âmbito do Direito das Obrigações, mas na Parte
Geral do Código, por constituírem defeitos dos atos jurídicos.
Em remate, importa salientar, novamente, que o Direito Contratual não
está em crise, como dizem alguns. Está, isto sim, sob nova e moderna disciplina,
que mais atende aos interesses coletivos e mais protege o fraco diante
do forte. E é assim que a liberdade contratual mais se consagra e mais atende
ao princípio de Justiça e ao princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana.
É o que salienta Caio Mário da Silva Pereira: “O que no momento ocorre, e
o jurista não pode desprender-se das idéias dominantes no seu tempo, é a redução
da liberdade de contratar em benefício do princípio da ordem pública, que, na
atualidade, ganha acendrado reforço, e tanto que Josserand chega mesmo a considerálo
a “publicização do contrato”. Não se recusa o direito de contratar, e não se nega
a liberdade de fazê-lo. O que se pode apontar como a nota predominante nesta
quadra da evolução do contrato é o reforço de de alguns conceitos, como o da
regulamentação legal do contrato, a fim de coibir abusos advindos da desigualdade
econômica; o controle de certas atividades empresárias; a regulamentação dos
meios de produção e de distribuição; e sobretudo a proclamação efetiva da preeminência
dos interesses coletivos sobre os de ordem privada, com acentuação tônica
sobre o princípio da ordem pública, que sobreleva ao respeito pela intenção das
partes, já que a vontade destas obrigatoriamente tem de submeter-se àquele”.30
Buscou-se ilustrar os vários temas, tanto quanto possível, com precedentes
tirados dos repertórios de jurisprudência, isso com o propósito de atribuir
caráter mais pragmático ao trabalho. Conforme decidiu o Colendo Superior
Tribunal de Justiça, “A jurisprudência não é uma rocha cristalizada, imóvel e
alheia aos acontecimentos. Ela é filha da vida. Sua função é manter o ordenamento
jurídico vivo e sintonizado com a realidade”.31
9 - Bibliografia
-BARROS, Humberto Gomes de. Relator do Recurso Especial n° 24.058-3-SP, j.
25.11.1992, DJU 22.3.93.
30 Instituições ..., p. 27
31 REsp. nº 24.058-3-SP, rel. min. Humberto Gomes de Barros, j. 25.11.92, DJU 22.3.93.
ITAMAR GAINO
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um Ponto de Equilíbrio entre as Garantias do Código de Defesa do Consumidor
e os Princípios Gerais do Direito Civil e do Direito Processual Civil, Rio de
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- Código Civil Português, Coimbra: Almedina, 1966.
10 – Jurisprudência
- JUIS – Jurisprudência Informatizada Saraiva CD-ROM n° 30, 4° trimestre de
2002.
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fonte: http://www.epm.org.br/NR/rdonlyres/C5E335DF-2AE3-45B4-86E1-FDCAD41FFDB7/206/RevistadaEPMano4n2.pdf

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